sexta-feira, 27 de maio de 2016

Exames para diagnosticar o câncer que salvam vidas

exames que salvam vidas


Georgios Papanicolaou (1883-1962) era um péssimo vendedor de tapetes no centro de Nova York. Médico formado na Grécia, ele emigrou para os Estados Unidos em 1913. Após alguns meses e poucas oportunidades, o jovem doutor recebeu uma carta que mudou sua vida: tinha sido admitido como pesquisador da Universidade Cornell. Sua missão no laboratório era estudar o ciclo menstrual de porquinhas-da-índia. Foi lá que o cientista aprendeu a coletar e observar as células do útero das cobaias. Nos anos seguintes, ele expandiu a experiência para mulheres e percebeu que a análise do material obtido era capaz de indicar a presença de unidades defeituosas, o embrião de um tumor maligno. Surgia, assim, o papanicolau, teste empregado até hoje para flagrar a doença no colo uterino e o primeiro método de rastreamento frente ao câncer.
Papanicolaou, e a técnica que leva seu nome, inaugurava uma nova fase na oncologia: a chamada prevenção secundária. "Ela envolve a realização desse e de outros exames, como a mamografia e a colonoscopia, em um grande número de pessoas saudáveis, com o objetivo de revelar um câncer numa fase precoce", resume Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Tal checkup, normalmente anual, é um complemento à prevenção primária, ou seja, a adoção de hábitos que minimizam o risco de um tumor aparecer - como praticar exercícios, comer direito e não fumar.
Mas o que justifica fazer um teste em sujeitos sem queixas e aparentemente numa boa? Primeira razão: a doença costuma ser silenciosa, mal ou nunca dá sintomas no início. "Em segundo lugar, a detecção precoce faz subir a chance de cura", diz o radio-oncologista Rubens Chojniak, do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista. As estatísticas falam por si: 90% das mulheres com câncer de mama inicial sobrevivem, ante 15% daquelas que o descobrem em fase avançada. Dados similares figuram entre os tumores de próstata, intestino, pulmão...
Apesar de as vantagens do diagnóstico precoce parecerem incontestáveis, exames de rotina para surpreender o câncer são motivo de uma controvérsia entre experts em saúde pública. Um artigo recente do periódico British Medical Journal causou polêmica ao criticar os esquemas de rastreamento atuais. O texto manifesta a ideia de que não é possível cravar que esses checkups salvam mesmo vidas. "Não existem provas claras de que eles melhorem os números da mortalidade por câncer", diz o oncologista Vinay Prasad, um dos autores do documento. Professor da Universidade de Saúde e Ciências de Oregon, nos Estados Unidos, ele acredita que seria mais sensato procurar o médico e passar por testes quando pintar algo errado.
O mesmo artigo ainda chama a atenção para os perigos em potencial do rastreamento. "O povo precisa estar ciente de que existem riscos, como a exposição a muita radiação ou casos de falso positivo, quando o resultado conclui de forma equivocada a presença de um tumor, o que tem um impacto psicológico", diz o médico Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Não é à toa que, antes de serem liberados, os métodos de detecção passam por estudos envolvendo milhares de pessoas. Só assim é possível atestar que os ganhos de descobrir o problema mais cedo superam possíveis danos da maratona de exames.
A tecnologia evoluiu tanto que atualmente se avistam massas cancerosas cada vez menores e mais escondidas. "Daí, às vezes se trata de maneira contundente um tumor que talvez nem se desenvolveria", conta Chojniak. Isso significa submeter alguém saudável a cirurgias ou a doses pesadas de quimio e radioterapia. Buscando uma abordagem mais racional, hoje especialistas já acompanham a progressão de alguns tipos de câncer, como o de próstata, sem iniciar, de fato, o contra-ataque terapêutico. "Estamos conseguindo avaliar cada caso e adaptar a recomendação segundo o perfil do paciente e a agressividade da doença", destaca Chojniak.
A tendência atual é individualizar as recomendações de rastreamento e restringir a prescrição dos exames a um grupo específico de pacientes, que apresentam uma probabilidade elevada de propagação da doença. É o caso, por exemplo, da tomografia anual para o câncer de pulmão, indicada a fumantes com mais de 55 anos, ou a avaliação da próstata, que começa cedo em afrodescendentes, etnia com incidência elevada da enfermidade. "Essa racionalização é essencial a fim de minimizar os danos à população e alocar os recursos financeiros de forma eficiente", analisa Hoff.
Embora se fale muito sobre a idade inicial para a rotina de testes, ainda não está claro quando eles deveriam parar de ser indicados. "Nos mais velhos, são diagnosticados tumores de crescimento lento, em que aumenta o risco de morrer por outras causas, como infarto ou derrame", explica o epidemiologista Arn Migowski, da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Inca. Ou seja: o sujeito não teria sintomas e morreria com o tumor, mas não em decorrência dele. Geralmente, os especialistas ponderam a situação e, se concluírem que a expectativa de vida da pessoa é inferior a dez anos, não há sentido em continuar pedindo mamografia e companhia ilimitada.
O ideal é que médico e paciente compartilhem impressões e decidam, juntos, quando e como fazer o checkup. "Até porque o exame é apenas um pedaço de papel que não trata ninguém", diz Fernandes. É preciso colocar na balança histórico familiar, fatores de risco e as vantagens e desvantagens de um eventual tratamento de acordo com a situação. "A chave está em criar um vínculo com o paciente e, a partir daí, estabelecer um programa de cuidados com a saúde, que pode incluir um rastreamento", completa. Desde a invenção do grego Papanicolaou, a mira para flagrar o câncer ficou, sem dúvida, mais certeira. Mas é o uso consciente dessa arma (e a escolha dos alvos) que tornará a guerra contra o câncer mais inteligente e efetiva.


Fonte:
http://mdemulher.abril.com.br/saude

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